domingo, 7 de junho de 2009

Finge que Defende a Honra da Cidade e Aponto os Vícios de Seus Moradores





Uma cidade tão nobre,

uma gente tão honrada

veja-se um dia louvada

desde o mais rico ao mais pobre:

cada pessoa o seu cobre,

mas se o diabo me atiça,

que indo a fazer-lhe justiça

algum saia a justiçar,

não me poderão negar

que por direito, e por Lei

esta é a justiça, que manda El-Rei





O Fidalgo de solar

se dá por envergonhado

de um tostão pedir prestado

para o ventre sustentar:

diz que antes o quer furtar

por manter a negra honra,

que passar pela desonra

de que lhe neguem talvez;

mas se o virdes nas galés

com honras de Vice-Rei,

esta é a justiça, que manda El-Rei





A Donzela embiocada

mal trajada, e mal comida,

antes quer na sua vida

ter saia, que ser honrada:

à pública amancebada

por manter a negra honrinha,

e se lho sabe a vizinha

e lho ouve a clerezia,

dão com ela na enxovia

e paga a pena da lei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.





A Casada com adorno,

e o Marido mal vestido,

crede que este tal Marido

penteia monho de corno:

se disser pelo contorno

que se sofre a Frei Tomás

por manter a honra o faz,

esperai pela pancada,

que com carocha pintada

de Angola há de ser Visrei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.





Os Letrados Peralvilhos

citando o mesmo Doutor

a fazer de réu o Autor

comem de ambos os carrinhos:

se se diz pelos corrilhos

sua prevaricação,

a desculpa, que lhe dão,

é a honra de seus parentes

e entonces os requerentes

fogem desta infame grei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.





O Clérigo julgador,

que as causas julga sem pejo,

não reparando que eu vejo

que erra a Lei, e erra o Doutor:

quando vêem de Monsenhor

a sentença revogada

por saber que foi comprada

pelo jimbo, ou pelo abraço,

responde o Juiz madraço,

minha honra é minha Lei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.



O Mercador avarento,

quando a sua compra estende,

no que compra, e no que vende,

tira duzentos por cento:

não é ele tão jumento,

que não saiba que em Lisboa

se lhe há de dar na gamboa;

mas comido já o dinheiro

diz que a honra está primeiro,

e que honrado a toda Lei:

esta é justiça, que manda El-Rei.





A Viúva autorizada,

que não possui um vintém,

porque o Marido de bem

deixou a casa empenhada:

ali vai a fradalhada,

qual formiga em correição,

dizendo que à casa vão

manter a honra da casa;

se a virdes arder em brasa,

que ardeu a honra entendei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.





O Adônis da manhã,

o Cupido em todo dia,

que anda correndo a coxia

com recadinhos da Irmã:

e se lhe cortam a lã,

diz que anda naquele andar

por a honra conservar

bem tratado, e bem vestido,

eu o verei tão despido,

que até as costas lhe verei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.





Se virdes um Dom Abade

sobre o púlpito cioso,

não lhe chameis religioso,

chamai-lhe embora de frade:

e se o tal paternidade

rouba as rendas do convento

para acudir ao sustento

da puta, como da peita,

com que livra da suspeita

do Geral, do Viso-Rei:

esta é a justiça, que manda El-Rei.

Gregório de Matos

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